(parte I, referente ao início da introdução)
Mote:
Manifesto do Partido Comunista (1948, Friederich Engels e Karl Marx)
* ipsis literis.
** adaptado pelo autor para a métrica de redondilha.
---
“Anda um espectro pela Europa
- o espectro do comunismo.” *
Nada destro, bamba topa,
O maestro mais sinistro,
De desafinada orquestra:
Um é ministro da sopa,
Outro administra tropa,
Outro adestra e todos dopa,
O mais tolo aconselha
A usar estopa vermelha.
Mas, espectro saberiam
Dar dicionário registro:
Morto em imagem fantástica?
Mostram na choupa entusiástica
Ou dessaber e não lustro,
Ou premonição do monstro.
“Poderes da velha Europa
Aliam-se a nos caçar” *
Quem é de bem e dá nota
Que não quereria ver morta
Essa patota devassa
Com cortina de fumaça
A tudo laça e sabota,
Quer a massa amordaçar
Propondo os olhos furar
Para não ver a desgraça?
“É a primeira oposição
que não sofre vilipêndio” **
Não tereis recordação?
Em vero não há um dispêndio
De energia entre o igual
Contra o oposto em situação
Mas que boa vontade tem.
Entretanto sois o mal
Versus sempre esteve o bem.
...
(André Falcão Freire)
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Criaturas criadoras (parte I)
Então, escolhes a grafia, a caneta, o escritor, o escrito, ou qualquer coisa que seja mencionada?
O falante mais eloqüente não se iguala a grandeza da língua, menos a natureza da fala, nunca ao poder da conversação. Quem tão inventivo a ponto de se apropriar da comunicação; dom, capacidade biológica? Mas há de existir tempos em tempos, gênios. Aqueles que se apropriam não só da sua língua, da capacidade de expressar-se humano, para produzir mensagens que fazem de tudo isso mero coadjuvante. Poucos são os que chamam a atenção pela forma como o dizem teses, mas não acho quem me tome em emoção ao fazer o poder entender e ser entendido um detalhe diante da tese que expõe.
Realmente um escritor se faz pela forma como escreve, um orador por sua facúndia, um jogador por sua performance, um homem pela essência de seus atos. Mas por que tão pouca importância se dá ao criador, na arte? É. Porque aplaudir aos técnicos, aos artistas burocratas, é ir de encontro à criatividade. O que se escreve, o que se diz, o que se faz, valerá mais do que o valor do conteúdo do escrito, dito, feito? Cria, não aquele que produz sensações com algo desenvolvido de uma forma diferente. O gênio é aquele que tem novidade a apresentar, uma nova tese, mesmo que não a saiba escrever ou explicar. Talvez por isso seja ainda mais difícil se deparar com um gênio. Ele deverá estar ileso da procura imposta pela técnica, lucidez, sabedoria, e, além disso, estar atento a sua criatividade infusa, nata.
Em um gramado, não surgirá facilmente uma flor. O homem vazio do mundo é como uma terra fértil e exposta, onde poderá brotar cada semente que o vento possa lá deixar. Ali, quando o tudo brotar, haverá algo de genial.
Continua...
(André Falcão Freire)
O falante mais eloqüente não se iguala a grandeza da língua, menos a natureza da fala, nunca ao poder da conversação. Quem tão inventivo a ponto de se apropriar da comunicação; dom, capacidade biológica? Mas há de existir tempos em tempos, gênios. Aqueles que se apropriam não só da sua língua, da capacidade de expressar-se humano, para produzir mensagens que fazem de tudo isso mero coadjuvante. Poucos são os que chamam a atenção pela forma como o dizem teses, mas não acho quem me tome em emoção ao fazer o poder entender e ser entendido um detalhe diante da tese que expõe.
Realmente um escritor se faz pela forma como escreve, um orador por sua facúndia, um jogador por sua performance, um homem pela essência de seus atos. Mas por que tão pouca importância se dá ao criador, na arte? É. Porque aplaudir aos técnicos, aos artistas burocratas, é ir de encontro à criatividade. O que se escreve, o que se diz, o que se faz, valerá mais do que o valor do conteúdo do escrito, dito, feito? Cria, não aquele que produz sensações com algo desenvolvido de uma forma diferente. O gênio é aquele que tem novidade a apresentar, uma nova tese, mesmo que não a saiba escrever ou explicar. Talvez por isso seja ainda mais difícil se deparar com um gênio. Ele deverá estar ileso da procura imposta pela técnica, lucidez, sabedoria, e, além disso, estar atento a sua criatividade infusa, nata.
Em um gramado, não surgirá facilmente uma flor. O homem vazio do mundo é como uma terra fértil e exposta, onde poderá brotar cada semente que o vento possa lá deixar. Ali, quando o tudo brotar, haverá algo de genial.
Continua...
(André Falcão Freire)
Traje Branco
Senta o paciente a sua frente...
Saberás o que ele sente?
Medes sem que ele interaja,
Com notícias da gazeta,
Quanto que ele está zureta?
Com o talhe da barba alarmas.
Como sem querer assunta,
Forjas, forças perguntas.
Ainda mais falsa encorajas:
“- Ora, meu jovem, reaja!”
E haja paciência pra carga...
Logo se engaja a alopata,
Dando quase que imediata
A diagnose, da marca.
Passa uma dose amarga,
Remédio que diz que trata
Gente que tem alma parva.
O fármaco tem negra cinta.
A cor com que ela nos pinta,
Contrária a da vestimenta,
Cai bem a adornar muleta.
E o doído doido indaga:
“– Quando na prescrição arfas,
Muda apenas de vanguarda.
Dentro da bata, acrobata,
Tu que farda tranca trajas
Pra quê tantas pretas tarjas?”
(André Falcão Freire)
Saberás o que ele sente?
Medes sem que ele interaja,
Com notícias da gazeta,
Quanto que ele está zureta?
Com o talhe da barba alarmas.
Como sem querer assunta,
Forjas, forças perguntas.
Ainda mais falsa encorajas:
“- Ora, meu jovem, reaja!”
E haja paciência pra carga...
Logo se engaja a alopata,
Dando quase que imediata
A diagnose, da marca.
Passa uma dose amarga,
Remédio que diz que trata
Gente que tem alma parva.
O fármaco tem negra cinta.
A cor com que ela nos pinta,
Contrária a da vestimenta,
Cai bem a adornar muleta.
E o doído doido indaga:
“– Quando na prescrição arfas,
Muda apenas de vanguarda.
Dentro da bata, acrobata,
Tu que farda tranca trajas
Pra quê tantas pretas tarjas?”
(André Falcão Freire)
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Com Corda.
Mundo diz onde é a partida,
Mostra sempre uma saída.
Se não grita qual na hora,
O homem a traz de memória,
Cada comando recorda,
E o segue, sempre concorda.
A Sociedade dita
Como deve ser sua lida.
Se não impõe, com juro cobra,
Propõe tudo a ser sua obra.
Caminho por outros traçado,
Homem faz mesmo cansado.
Sem ego, sempre concorda.
Prometem mundos e fundos,
E ele investe, acredita.
E como um moribundo
Vaga sem ser vagabundo!
Nada de si em si guarda,
Não pensa, pois isso tarda.
O homem sem um mais surdo,
Escuta a todo absurdo.
Sem cor ou sabor sentido,
Sem gana, ou por convencido,
Retorna a rotina mudo,
Sem gás, nada audaz concorda.
Para sarar as feridas
Oferecem-lhe bebida.
Pra não ficar fatigado
Proíbem o seu cigarro.
Numa mão uma ampulheta,
Demonstrando o que lhe aguarda,
Noutra a lista da dieta,
Com o que ele pouco se enfarta.
E o mundo nele transborda,
Até que ele concorda:
Beber, bebo inseticida,
A cortar que não o fumo,
Não renderei mais tostões,
Rendo-me de coração.
Era a feliz despedida,
A hora da sua subida!
Arremessa o que segura,
Toma nas mãos sua vida.
Ascende em uma cadeira,
No topo ele se pendura.
Pra sua última caída,
Nada de opinião de outro,
Concorda consigo mesmo
E com o pescoço preso
Com corda pula, com o peso
Do mundo, do mal, dos medos,
A primeira sacudida
Que deu em toda sua vida
Teve um tom roxo e pardo,
Quando se tornou o fardo
Com cor de um suicida.
(André Falcão Freire)
Mostra sempre uma saída.
Se não grita qual na hora,
O homem a traz de memória,
Cada comando recorda,
E o segue, sempre concorda.
A Sociedade dita
Como deve ser sua lida.
Se não impõe, com juro cobra,
Propõe tudo a ser sua obra.
Caminho por outros traçado,
Homem faz mesmo cansado.
Sem ego, sempre concorda.
Prometem mundos e fundos,
E ele investe, acredita.
E como um moribundo
Vaga sem ser vagabundo!
Nada de si em si guarda,
Não pensa, pois isso tarda.
O homem sem um mais surdo,
Escuta a todo absurdo.
Sem cor ou sabor sentido,
Sem gana, ou por convencido,
Retorna a rotina mudo,
Sem gás, nada audaz concorda.
Para sarar as feridas
Oferecem-lhe bebida.
Pra não ficar fatigado
Proíbem o seu cigarro.
Numa mão uma ampulheta,
Demonstrando o que lhe aguarda,
Noutra a lista da dieta,
Com o que ele pouco se enfarta.
E o mundo nele transborda,
Até que ele concorda:
Beber, bebo inseticida,
A cortar que não o fumo,
Não renderei mais tostões,
Rendo-me de coração.
Era a feliz despedida,
A hora da sua subida!
Arremessa o que segura,
Toma nas mãos sua vida.
Ascende em uma cadeira,
No topo ele se pendura.
Pra sua última caída,
Nada de opinião de outro,
Concorda consigo mesmo
E com o pescoço preso
Com corda pula, com o peso
Do mundo, do mal, dos medos,
A primeira sacudida
Que deu em toda sua vida
Teve um tom roxo e pardo,
Quando se tornou o fardo
Com cor de um suicida.
(André Falcão Freire)
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
Quem seremos?
O que vamos fazer aqui (ou além)? Talvez eu faça somente essa pergunta e o desenvolvimento dessa questão nos próximos minutos. Mas vamos em frente...
Que questões serão tratadas? Por quê serão feitos X, Y e Z trabalhos? Sobre quais bases? Qual a sustentabilidade da cultura que será desenvolvida? Quais trabalhos e esforços foram feitos antes do que será posto? Haverá uma busca de alicerces para garantir as paredes que serão mostradas? Se alguém se abrigar sob esse teto de palavras sairá vivo depois? Isso é grave. Cultura é uma coisa grave. Mesmo que ninguém leia, os envolvidos podem eles mesmos lerem e ficarem soterrados sob os escombros, os efeitos podem ser devastadores sobre a alma das pessoas, sobre toda uma vida, sobre mesmo as condições de produtividade das pessoas. Se não, podemos perguntar em que situação cada um no mundo hoje se encontra, o que temos para apresentar, etc.
Qual será o nosso papel? Temos um papel? Quais as expectativas de cada um dos outros membros? Qual o valor que se dão? Tudo isso é importante saber. Vou participar? Sim. Mas pergunto: quantos minutos da minha semana deverei gastar nesse trabalho? Tudo isso vai de acordo com o que os outros envolvidos pensem a coisa, pensem da vida. Até poderia dizer que o que pensa um companheiro do valor do meu tempo é importante para se pesar antes de iniciar uma caminhada, o que pensa alguém do valor de sua própria vida, de seu próprio tempo, isso também.
O que estamos fazendo de nosso tempo hoje? Eu mesmo sofro por não poder gastá-lo em algo mais digno em alguns momentos. Onde se produziu trabalhos belos, dignos, inteligentes, fundamentados, etc. entre telespectadores de novelas de Globo ou coisas do tipo? Onde em toda a história se produziu algum pensamento que não tenha sido corda para enforcamento ou pedra de tropeço entre divinizadores do horizontal, do espaço-tempo, do Estado, das modas, dos verbalismos e dos pensamentos espertinhos/inteligentinhos? Onde se colheu sem suor e se resgatou sem grande suor ou derramamento de sangue? Como outrora eu dizia: do céu só cai água e não é mineral.
Vivemos num mundo de títulos, roupas, outdoors, conversas de tias, notas, instituições, broches, adesivos, propagandas, desonestidades, desonestidades, desonestidades. É terrível. Espero que meu texto esteja sendo lido com olhar de quem quer buscar o melhor e não de automatismo-sabe-tudo. O mundo hoje está inteiro perdido no automatismo. Essa coisa do título é o tudo, a telinha, a imagem. A dor não é minimamente respeitada, a verdadeira face de cada um não é respeitada, a luta não é respeitada, a busca não é respeitada, a experiência verdadeira não é respeitada e posso colocar mil etceteras. Chegamos a um tempo em que qualquer moleque sai dando conselho para quem viveu, sofreu, buscou e sabe. É um tempo perigoso de se viver. Veja-se um testemunho pessoal: no próximo mês farei 25 anos de muito sofrimento, buscas, humilhações, estudos etc. e nesse tempo todo encontrei UMA pessoa que me ouviu com respeito e me colocou numa altura próxima de onde de fato estou, uma só pessoa não tentou me colocar para baixo ou desprezar quantidade relevante dos sons saídos da minha boca.
O mundo moderno perdeu qualquer limite, qualquer senso de hierarquia, qualquer vergonha. Quando falo, peço apenas humildade, mas normalmente o que vem de longe é pedras e acusações as mais diversas. Falo com a voz mais baixa possível, como João Batista o fez após passar tantos anos no silêncio do deserto. Apenas clamo, quase como quem sussura constrangido, mas com a cara de preocupação de quem passou anos no deserto e apenas pede o arrependimento, que nada mais é do que a humildade, que é o que tento colocar. Apenas peço humildade: ser o que se é, sem mais nem menos, e querer que os outros sejam o que são, o que inclui, por exemplo, não apoiar para que sejam menos do que tem que ser.
Após a esculhambação prévia feita contra o excesso de roupagens do mundo saduceu, fariseu e greco-romano, essa podre e fedorenta gritaria, venho aqui com minha silenciosa e pobre túnica clamar mais uma vez pelo real.
Não existe boa produção de letras sem leitura. Não existe bom conselho sem experiência real por trás. Não existe religião sem revelação. Não existe boa arte sem grande profundidade interior do artista. Não existe boa filosofia sem continuado e sério exercício de busca de uma sabedoria que não se tem nem nasce feito árvore. E eu posso dizer que é possível a boa produção quando há a seriedade do humilde, que não faz nada como quem vai brincar de ir e voltar do trabalho ou escola, mas como quem vai a uma aventura ou peregrinação a terras distantes. Nada que seja feito sem a seriedade de quem está salvando uma vida para mim tem sentido. Nunca algo feito sem essa seriedade, esse amor, deu certo na história da humanidade. Costumo considerar tudo que não é feito com a seriedade de quem está salvando uma vida como um desrespeito à vida, como um desrespeito à minha pessoa individualmente, como desrespeito à realidade.
As vezes acho que uma das maiores provas de superação humana é a pessoa conseguir passar décadas em trabalhos convencionais ou utilizando-se de prostitutas ou assistindo várias horas por dia de TV ou respeitando fraudes ou acreditando em farsas. Isso tem sido feito por muitos, quase todos, o tempo todo. Os companheiros dessa possível caminhada também já deram várias provas de superação humana incríveis e nesse sentido eu acredito que podem fazer um bom e grandioso trabalho.
Condenso tudo agora, antes de partir para minhas sugestões, em uma só pergunta: o que quero com qualquer trabalho que eu faça e com esse aqui? Quero que as pessoas sejam felizes. Isso é o que eu quero. E os demais? Então o que ocorre é que há dois caminhos básicos: 1 Os demais não quererem o mesmo ou acharem que não é possível ou considerarem por vícios de pensamento que todo o mundo já se encontra num estado satisfatório de felicidade e que basta a todos continuarem com mais verbalismo que o mundo precisa é disso mesmo etc.; 2 Os demais acreditarem mais ou menos no mesmo que eu. No primeiro dos casos eu posso participar sem qualquer dedicação e somente jogando resmungos e piadas, já que o meu nome poderia se envolver, ou jogando merda (verbalismo para mim é merda) caso a coisa fique só no anonimato. No segundo caso, dependendo do grau de interesse dos demais em felicidade alheia, poderia então me dedicar proporcionalmente a quantidade de amor dos demais que perpasse os pontos escolhidos.
Primeiro que tudo que se faça necessita para dar certo que venha acompanhado do exercício de ser. O que somos? Qual esforço fazemos para ser? Qual o grau de coerência de tudo relacionado a nós, das palavras, dos gestos, dos interesses, das ocupações, do nosso amor ao nosso ser? O que investimos na nossa personalidade? Investimos no cardápio convencional? Nossa vida é uma escolha em grande parte do cardápio convencional oferecido pela TV, pela escola, pelas memórias que temos escondidas, e, em síntese, pelo mundo moderno? Quão mais feio cada um é em comparação a quando eram bebês? Será que merecemos o mínimo respeito depois de tanto enfeiamento nas áreas em que foi escolhido conscientemente (e se não era consciente, agora assim seja)? Quantas horas nossas são investidas no banal, repito, no convencional? O que fizemos nos últimos anos na maior parte do tempo?
Segundo ponto, qual interesse que temos pelo que fazemos? Quais blogs lemos, quais jornalistas, quais revistas de cultura? Quanto fizemos isso? Será que seria justo fazer alguém correr o risco de nos ler sem termos qualquer interesse no que fazemos? O nome disso não seria nem charlatanismo, mas brincadeira infantil. E sem graça.
A terceira questão que faço é perguntar qual o tamanho da casa que se quer construir? Pouco tempo atrás li uma entrevista do editor da revista Dicta&Contradicta e ele falava que um dia depois do lançamento do terceiro número da mesma a pergunta que se fizeram ao se reunirem foi: como estará o nosso trabalho daqui a 500 anos? Eu sei que estou falando com natalenses e a mera citação de um trabalho alheio já deve fazê-los começar a procurar uma pedra no chão para jogar na minha cabeça por ter eu cometido o delito de não pensar provincianamente, mas apenas faço questão de buscar especificações nessa linha. Se for possível que eu tenha nascido para produzir uma Dicta&Contradicta, qual não seria a irresponsabilidade que me meteria em dispor meu tempo entre pensamentos pequenos e/ou circulares? E como é que as pessoas conseguem se rebaixarem, se acharem incapazes ou mesmo fazerem opção tranquilamente pela miséria (falo a nível de conteúdo e intenções, não de abrangência ou estrutura)?
No meio de tanto ativismo e onguismo bobo, no meio de tanto projeto de vida egoísta, no meio de tanta dedicação que resultará em nada, o que me proponho é algo muito mais simples, fácil, justo, inteligente, honrado, digno, belo: fazer uma revolução cultural (e psicológica, e espiritual, e educacional e etc.) em Natal. Isso é perfeitamente possível. Tudo depende de se ter coragem e seriedade mínimos. É o que eu decidi fazer nos próximos tempos. É algo que poderia estar incluso nesse caminho.
De qualquer maneira estou disponível de acordo com o que os demais estiverem e tendo em vista que a vida não é feita só de horizontal, mas a verdadeira vida tem vertical transpassando, e isso não é discurso, é questão visceral, real, atual, necessária a qualquer grau de respeito e dignidade D.C. Se A.C. fosse, eu admitiria. D.C., não dá para aturar a idolatria do horizontal.
E agora? Digam-me o que querem e eu entenderei para onde vamos (se formos).
Que questões serão tratadas? Por quê serão feitos X, Y e Z trabalhos? Sobre quais bases? Qual a sustentabilidade da cultura que será desenvolvida? Quais trabalhos e esforços foram feitos antes do que será posto? Haverá uma busca de alicerces para garantir as paredes que serão mostradas? Se alguém se abrigar sob esse teto de palavras sairá vivo depois? Isso é grave. Cultura é uma coisa grave. Mesmo que ninguém leia, os envolvidos podem eles mesmos lerem e ficarem soterrados sob os escombros, os efeitos podem ser devastadores sobre a alma das pessoas, sobre toda uma vida, sobre mesmo as condições de produtividade das pessoas. Se não, podemos perguntar em que situação cada um no mundo hoje se encontra, o que temos para apresentar, etc.
Qual será o nosso papel? Temos um papel? Quais as expectativas de cada um dos outros membros? Qual o valor que se dão? Tudo isso é importante saber. Vou participar? Sim. Mas pergunto: quantos minutos da minha semana deverei gastar nesse trabalho? Tudo isso vai de acordo com o que os outros envolvidos pensem a coisa, pensem da vida. Até poderia dizer que o que pensa um companheiro do valor do meu tempo é importante para se pesar antes de iniciar uma caminhada, o que pensa alguém do valor de sua própria vida, de seu próprio tempo, isso também.
O que estamos fazendo de nosso tempo hoje? Eu mesmo sofro por não poder gastá-lo em algo mais digno em alguns momentos. Onde se produziu trabalhos belos, dignos, inteligentes, fundamentados, etc. entre telespectadores de novelas de Globo ou coisas do tipo? Onde em toda a história se produziu algum pensamento que não tenha sido corda para enforcamento ou pedra de tropeço entre divinizadores do horizontal, do espaço-tempo, do Estado, das modas, dos verbalismos e dos pensamentos espertinhos/inteligentinhos? Onde se colheu sem suor e se resgatou sem grande suor ou derramamento de sangue? Como outrora eu dizia: do céu só cai água e não é mineral.
Vivemos num mundo de títulos, roupas, outdoors, conversas de tias, notas, instituições, broches, adesivos, propagandas, desonestidades, desonestidades, desonestidades. É terrível. Espero que meu texto esteja sendo lido com olhar de quem quer buscar o melhor e não de automatismo-sabe-tudo. O mundo hoje está inteiro perdido no automatismo. Essa coisa do título é o tudo, a telinha, a imagem. A dor não é minimamente respeitada, a verdadeira face de cada um não é respeitada, a luta não é respeitada, a busca não é respeitada, a experiência verdadeira não é respeitada e posso colocar mil etceteras. Chegamos a um tempo em que qualquer moleque sai dando conselho para quem viveu, sofreu, buscou e sabe. É um tempo perigoso de se viver. Veja-se um testemunho pessoal: no próximo mês farei 25 anos de muito sofrimento, buscas, humilhações, estudos etc. e nesse tempo todo encontrei UMA pessoa que me ouviu com respeito e me colocou numa altura próxima de onde de fato estou, uma só pessoa não tentou me colocar para baixo ou desprezar quantidade relevante dos sons saídos da minha boca.
O mundo moderno perdeu qualquer limite, qualquer senso de hierarquia, qualquer vergonha. Quando falo, peço apenas humildade, mas normalmente o que vem de longe é pedras e acusações as mais diversas. Falo com a voz mais baixa possível, como João Batista o fez após passar tantos anos no silêncio do deserto. Apenas clamo, quase como quem sussura constrangido, mas com a cara de preocupação de quem passou anos no deserto e apenas pede o arrependimento, que nada mais é do que a humildade, que é o que tento colocar. Apenas peço humildade: ser o que se é, sem mais nem menos, e querer que os outros sejam o que são, o que inclui, por exemplo, não apoiar para que sejam menos do que tem que ser.
Após a esculhambação prévia feita contra o excesso de roupagens do mundo saduceu, fariseu e greco-romano, essa podre e fedorenta gritaria, venho aqui com minha silenciosa e pobre túnica clamar mais uma vez pelo real.
Não existe boa produção de letras sem leitura. Não existe bom conselho sem experiência real por trás. Não existe religião sem revelação. Não existe boa arte sem grande profundidade interior do artista. Não existe boa filosofia sem continuado e sério exercício de busca de uma sabedoria que não se tem nem nasce feito árvore. E eu posso dizer que é possível a boa produção quando há a seriedade do humilde, que não faz nada como quem vai brincar de ir e voltar do trabalho ou escola, mas como quem vai a uma aventura ou peregrinação a terras distantes. Nada que seja feito sem a seriedade de quem está salvando uma vida para mim tem sentido. Nunca algo feito sem essa seriedade, esse amor, deu certo na história da humanidade. Costumo considerar tudo que não é feito com a seriedade de quem está salvando uma vida como um desrespeito à vida, como um desrespeito à minha pessoa individualmente, como desrespeito à realidade.
As vezes acho que uma das maiores provas de superação humana é a pessoa conseguir passar décadas em trabalhos convencionais ou utilizando-se de prostitutas ou assistindo várias horas por dia de TV ou respeitando fraudes ou acreditando em farsas. Isso tem sido feito por muitos, quase todos, o tempo todo. Os companheiros dessa possível caminhada também já deram várias provas de superação humana incríveis e nesse sentido eu acredito que podem fazer um bom e grandioso trabalho.
Condenso tudo agora, antes de partir para minhas sugestões, em uma só pergunta: o que quero com qualquer trabalho que eu faça e com esse aqui? Quero que as pessoas sejam felizes. Isso é o que eu quero. E os demais? Então o que ocorre é que há dois caminhos básicos: 1 Os demais não quererem o mesmo ou acharem que não é possível ou considerarem por vícios de pensamento que todo o mundo já se encontra num estado satisfatório de felicidade e que basta a todos continuarem com mais verbalismo que o mundo precisa é disso mesmo etc.; 2 Os demais acreditarem mais ou menos no mesmo que eu. No primeiro dos casos eu posso participar sem qualquer dedicação e somente jogando resmungos e piadas, já que o meu nome poderia se envolver, ou jogando merda (verbalismo para mim é merda) caso a coisa fique só no anonimato. No segundo caso, dependendo do grau de interesse dos demais em felicidade alheia, poderia então me dedicar proporcionalmente a quantidade de amor dos demais que perpasse os pontos escolhidos.
Primeiro que tudo que se faça necessita para dar certo que venha acompanhado do exercício de ser. O que somos? Qual esforço fazemos para ser? Qual o grau de coerência de tudo relacionado a nós, das palavras, dos gestos, dos interesses, das ocupações, do nosso amor ao nosso ser? O que investimos na nossa personalidade? Investimos no cardápio convencional? Nossa vida é uma escolha em grande parte do cardápio convencional oferecido pela TV, pela escola, pelas memórias que temos escondidas, e, em síntese, pelo mundo moderno? Quão mais feio cada um é em comparação a quando eram bebês? Será que merecemos o mínimo respeito depois de tanto enfeiamento nas áreas em que foi escolhido conscientemente (e se não era consciente, agora assim seja)? Quantas horas nossas são investidas no banal, repito, no convencional? O que fizemos nos últimos anos na maior parte do tempo?
Segundo ponto, qual interesse que temos pelo que fazemos? Quais blogs lemos, quais jornalistas, quais revistas de cultura? Quanto fizemos isso? Será que seria justo fazer alguém correr o risco de nos ler sem termos qualquer interesse no que fazemos? O nome disso não seria nem charlatanismo, mas brincadeira infantil. E sem graça.
A terceira questão que faço é perguntar qual o tamanho da casa que se quer construir? Pouco tempo atrás li uma entrevista do editor da revista Dicta&Contradicta e ele falava que um dia depois do lançamento do terceiro número da mesma a pergunta que se fizeram ao se reunirem foi: como estará o nosso trabalho daqui a 500 anos? Eu sei que estou falando com natalenses e a mera citação de um trabalho alheio já deve fazê-los começar a procurar uma pedra no chão para jogar na minha cabeça por ter eu cometido o delito de não pensar provincianamente, mas apenas faço questão de buscar especificações nessa linha. Se for possível que eu tenha nascido para produzir uma Dicta&Contradicta, qual não seria a irresponsabilidade que me meteria em dispor meu tempo entre pensamentos pequenos e/ou circulares? E como é que as pessoas conseguem se rebaixarem, se acharem incapazes ou mesmo fazerem opção tranquilamente pela miséria (falo a nível de conteúdo e intenções, não de abrangência ou estrutura)?
No meio de tanto ativismo e onguismo bobo, no meio de tanto projeto de vida egoísta, no meio de tanta dedicação que resultará em nada, o que me proponho é algo muito mais simples, fácil, justo, inteligente, honrado, digno, belo: fazer uma revolução cultural (e psicológica, e espiritual, e educacional e etc.) em Natal. Isso é perfeitamente possível. Tudo depende de se ter coragem e seriedade mínimos. É o que eu decidi fazer nos próximos tempos. É algo que poderia estar incluso nesse caminho.
De qualquer maneira estou disponível de acordo com o que os demais estiverem e tendo em vista que a vida não é feita só de horizontal, mas a verdadeira vida tem vertical transpassando, e isso não é discurso, é questão visceral, real, atual, necessária a qualquer grau de respeito e dignidade D.C. Se A.C. fosse, eu admitiria. D.C., não dá para aturar a idolatria do horizontal.
E agora? Digam-me o que querem e eu entenderei para onde vamos (se formos).
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Poesia Suja I
leva a mão suada no olho
que remelava, agora arde,
o dedo com entranhas de piolho
procura na vista acuidade
limpa os ticos de catarro seco
quase rasga a narina
enquanto cheira a cera
presa na unha
e a meleca com um peteleco
arremessa para cima
cospe pra tentar não sentir
o gosto amargo da língua
mas não consegue fugir dos dentes
com tártaro e limo de baixo a cima
ao rosto cheio de pústulas
salpicado de amarelo de sânie
leva a mesma mão e espreme
e jorra um humor verde-rúcula
(André Falcão Freire)
que remelava, agora arde,
o dedo com entranhas de piolho
procura na vista acuidade
limpa os ticos de catarro seco
quase rasga a narina
enquanto cheira a cera
presa na unha
e a meleca com um peteleco
arremessa para cima
cospe pra tentar não sentir
o gosto amargo da língua
mas não consegue fugir dos dentes
com tártaro e limo de baixo a cima
ao rosto cheio de pústulas
salpicado de amarelo de sânie
leva a mesma mão e espreme
e jorra um humor verde-rúcula
(André Falcão Freire)
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